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quarta-feira, 6 de maio de 2020

"Mulheres empilhadas" - Patrícia Melo



Mulheres empilhadas - Patrícia Melo (238p. [L.13/abril-2020])

A leitura desta narrativa foi feita em PDF, obra cedida e indicada pela minha amiga Dai, a mesma que leu comigo o livro da Cassandra.
Que história! Que autora!! Foi uma leitura-viagem profunda ao Acre; às tradições indígenas do estado; ao feminicídio (homens que matam mulheres por serem mulheres); à retomada (ou nunca finalizada) República do café com leite (República Velha), predominante na década de 1920 no Brasil; e às injustiças, que nunca deixaram de existir por aqui, mas ainda choca ver esse tipo de coisa acontecendo atualmente, após tantos anos e tantas leis e avanços nos direitos.
Na abertura de alguns capítulos, Patrícia narra brevemente a morte (fato real) de uma mulher assassinada por seu companheiro, intituladas por números cardinais (1, 2, 3.. 12). Em outros, tinham narrativas de experiências da protagonista na aldeia com os índios, que mais pareciam devaneios, mas depois se entende o que são, eram representadas pela descrição das letras do alfabeto grego (alfa, beta... as 7 primeiras letras); e os capítulos, a narrativa fictícia em si, pelas letras do alfabeto português de A a Z. Isso deixou a narrativa bem confusa, a princípio, porque não se sabia o que era a história ou realidade, o que era real ou sonho, devaneio e alucinação na própria história ou na realidade, mas, no final, deu tudo certo.
A história é sobre uma advogada, de São Paulo, que foi transferida para fazer uma pesquisa sobre feminicídio no Acre e fazer uma espécie de dossiê a esse respeito, a pedido de sua chefe. Sua mãe tinha sido vítima desse crime, o que contribuiu para que ela trabalhasse nessa área e, como não é difícil de acontecer com uma mulher, também foi vítima de relacionamento abusivo, mesmo lidando com essas histórias e incentivando mulheres a se libertarem desses relacionamentos antes de suas mortes, consequente e certeiro final. A forma com que ela descreve o ciclo da violência contra a mulher, o quantos as vítimas se tornam as culpadas, o quanto os homens que violam não têm "cara" de que fazem isso, é muito real, muito detalhado, parece que a autora viveu tudo que escreveu.
O crime principal se dá em torno do assassinato de uma índia, Txupira, após ter sido estuprada, ter sofrido violências brutais por 3 rapazes, filhos dos "donos" e descendentes do fundadores do Acre. Saíram impunes de seus crimes. Então a saga começa. Carla (advogada da família de Txupira) e seus "namorados", Rita (a jornalista), seu irmão e a protagonista estavam e acabaram todos envolvidos nesse caso, buscando por justiça. As pessoas começam a morrer, dos dois lados da história, e se desenrola a busca pelos assassinos com ameças, perseguições, violências, compra e venda de direitos: um palco para as injustiças mais bárbaras.
É muito interessante como o Acre é descrito, inclusive a história do lugar, a predominância indígena e o descaso dirigido aos indígenas, que são considerados nada. A autora aborda ainda alguns rituais e costumes indígenas, dos quais os personagens participaram, a protagonista, inclusive, narra uma história paralela muito instigante. Existia o uso de enteógenos ([cipó, Ayahuaska] substâncias naturais que despertam uma consciência pura, induzindo ao estado de êxtase), havia referência à religião Santo Daime. Eu achei o máximo rever essas referências. Além disso, teve a descrição de algumas lendas mitológicas, como a da deusa solitária Takuna, o Sol e Zimu, que deram origem ao mundo e tudo que nele há. Eu amo mitologia! Inclusive, houve referências da autora a outras literaturas, como a grega também, dando a entender que a protagonista gostava e conhecia muitas coisas. Ao final da história, ela faz referência a duas músicas de Paul McCartney, o que amei!!
A revolta da "Liga da Mulher da Pedra verde", mulheres da aldeia que se reuniam para vingar as mulheres vítimas de homens me fez lembrar o filme "Doce vingança", o qual já vi todos (rs). Com muita violência, e que, no fundo, pode causar um alívio e desejo de ser realidade, as mulheres matavam brutalmente os criminosos, sem pena. 
A história tem muito suspense, até terror, acelera o coração, te deixa pensando horas após cada dia de leitura, revolta ainda mais, preocupa mais, mas também precavê, alerta, empodera, liberta as mulheres. É um livro com poesia, contos, e no fim, é um romance que abrange tudo isso. PERFEITO!
O quanto amei: 🖤🖤🖤🖤🖤
* Curiosidade 1: O desenho da capa do livro é a junção de "O nascimento de Vênus de Boticcelli e "O nascimento de Oshun", de Harmonia Rosales.
* Curiosidade 2: A protagonista não tem nome porque qualquer mulher pode ser a protagonista dessa história (Dai, 2020) rs.. Eu amei essa informação!
* Curiosidade 3: Segundo informações da Dai, ao pesquisa sobre Patrícia e o livro, a autora foi alvo de crítica por não ter ido ao Acre pesquisar sobre o lugar, por ter enviado uma pessoa de sua confiança para isso. Mas achamos essa crítica totalmente irrelevante, pois isso não foi motivo para faltar emoção e percebermos o prazer da autora em escrever e sobre este assunto.
* Curiosidade 4: Para muitos, ela é considerada autora de gênero policial, sendo comparada ao Rubem Fonseca, mas ela se considera autora de ficção urbana, o que acho que faça mais sentido realmente. Ela é incrível!

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