Este texto é um dos mais incríveis que li em 2020!
É bom saber que existem coisas boas acontecendo em meio a esse caos mundial que é o corona vírus. Sinceramente, eu não aguento mais ouvir falar disso, não vejo televisão mais (o que eu já não fazia muito) e me recuso a estar por dentro disso nas redes sociais. Mas este texto "me salvou" e fez ver, mais uma vez, como a literatura nos ajuda a sobreviver.
Losso apresentou a etimologia da palavra "corona", ou seja, a origem de seu significado e os que se modificaram ao longo do tempo, e se baseou, principalmente no poeta da oralidade, Gregório de Matos (viveu no séc. XVII, na Bahia), se reconhecia como um "coronista", o que hoje entendemos e conceituamos como cronista, ou o que faz crônicas, mas a palavra "cronista" também sua etimologia específica.
O autor questiona se Gregório não se intitulou "coronista" por ser, como entendemos no atual contexto, realmente um vírus/parasita intracelular, que se coroou soberano entre "os animais e exigiu seu espaço de poder", como faz o vírus. Losso desenvolve seu texto justificando a existência de Gregório e seus poemas como uma pré-visão do que temos agora ou uma analogia (pontos comuns em coisas diferentes) entre o poeta, enquanto vírus na sua sociedade e no pensamento social brasileiro, em 1650 aproximadamente, e o coronavírus afetando o Brasil, em 2020.
Ele faz uma comparação brilhante entre o que acontece na palavra e o que acontece no mundo com vírus. O "o" da palavra "coronista" foi chamado de letra parasita, que se perdeu ao longo do tempo e transformou a palavra em "cronista", o coronavírus é a "vogal parasita" que altera a normalidade no mundo, assim como a vogal parasita que altera a palavra.
E segue fazendo comparações entre Gregório, o vírus e outros poetas e poemas, como:
1- Sebastião Uchoa Leite e seu poema "Pensar" (1998);
2- A peste que existiu na Bahia, em 1686, a qual Gregório descreveu como um monstro de várias cabeças, cujo corte de uma nasceria mais duas (o monstro Hidra de Lerna, do mito de Hércules). Ele apresenta, no poema, que não havia remédio para cura e que poucos teriam acesso a ela, caso existisse, a peste se espelhava e multiplicava devastadoramente e que quem ignorasse às ordens de reclusão, seria punido por seus efeitos, não diferente do que vemos nos noticiários;
3- Edgar Allan Poe com o conto "A máscara da morte vermelha" (1842), em que o protagonista é um esqueleto mascarado, que simboliza a morte, e atinge à nobreza, comparado à peste de Gregório, que não escolhe classe, cor ou idade para atingir, o que não mascara a desigualdade existente em nosso país, pelo contrário, a expõe ainda mais;
4- Tarso de Melo, "Exames de rotina" (2008), cita o descaso e falha do Estado ante os serviços sociais públicos, afetando a população mais prejudicada;
5- Roberto Piva, "Poemas portadores de peste", ;
6- Cláudia Roquette-Pinto, com o poema "Blefe", de 1991, no qual ela fala sobre a gripe;
7- Losso defende que somos "cronistas virtuais", com as nossas exposições (escrita, imagética e afins) nas redes sociais.
Conclui com Alberto Pucheu com o "poema para a catástrofe do nosso tempo", que aponta os trágicos resultados dessa devastação que nos assola.
Esse texto foi perfeito pela criatividade, pela analogia, pela rica diversidade de referências e pela forma que o conjunto disso tudo fez sentido e trouxe alento ao coração.
Segue o link do blog em que o texto original se apresenta na íntegra:
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