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quinta-feira, 23 de julho de 2020

O nascimento da tragédia - Friedrich Nietzsche


 

O nascimento da tragédia - Friedrich Nietzsche (175p. [L.17/jun-2020])

Esse livro foi a leitura mais aleatória do mês de junho. Eu o comprei ano passado porque minha professora de Literatura Clássica disse que o leríamos neste ano, então, veio a pandemia e tudo parou, mas pretendia lê-lo mesmo assim, porém, sempre adiando. Até que ele foi exigência no grupo de pesquisa "Poesia e canção". Eu COMI esse bonitinho em quase 4 dias e saía das leituras com dor de cabeça, mas fascinada.. Cada dia mais me encanto por Nietzsche e ele se torna meu filósofo preferido! Meu Deus! Que pensamentos, que construções teóricas..
Antes de mais nada, foi de suma importância ler em grupo, o professor explanou sobre, discutimos um pouco em grupo (eu, mais ouvi do que falei rs..) e trouxe um especialista no autor e em sua obra, o que foi perfeito!!
Enfim.. Vamos ao que interessa. Tragédia é um gênero teatral ou dramático da Grécia Antiga. Há algumas etimologias (estudo da origem e evolução das palavras) para "tragédia", mas isso é assunto para outra hora. Este livro é uma homenagem ao amigo de Nietzsche, Wagner, elogiando seu jeito de fazer arte e música. Depois, ele tenta desfazer essa homenagem, devido às divergências com o amigo, o que se torna uma grande piada entre os estudiosos. 
O autor inicia suas explicações defendendo, até o fim do livro, que existem dois impulsos para o fazer artístico, baseado nos deuses gregos Apolo e Dionísio. O primeiro, por ser o deus da beleza, do Sol, representava a forma da arte, a beleza dela, a aparência, sem ele haveria o caos absoluto. Nietzsche defendia que, para ser no mundo, a obra precisava de aparência. O segundo, deus do vinho, da dança, da alegria, representava o equilíbrio, o conteúdo, a deformidade, a embriaguez,o desregramento.
Tem como foco o pessimismo, com isso, seu principal "mentor" é Schopenhauer. Trata sua obra como um centauro híbrido, composto pela ciência filológica + filosofia + arte. Cita o mito de Sileno (semideus que instruía e servia a Dionísio), qnd um rei o perguntou o que era melhor e mais preferível para um homem e ele respondeu que era não ter nascido e morrer o quanto antes. Então, para Nietzsche, que se baseia nesse mito para pensar, a tragédia proporcionava um contato profundo com a essência, mas sem despertar o desejo de autoextinção, ao invés de disso, havia um retorno de si "melhorado". Era um aprofundamento de si, mas racionalizado.
Caracteriza o fazer literário de Homero a Sócrates. Entre Platão e Sócrates; Sófocles, Ésquilo e Eurípides destaca que, ao longo do tempo, a tragédia foi morrendo, pois não tinha mais tanta música, que foi reduzida à assistente, existiam mtas explicações, tudo estava mastigado, detalhado demais, isso empobrecia a arte, não levava à reflexão e eterna necessidade de recontar essas história, como bem defendeu Walter Benjamin e Ítalo Calvino, muitos anos após Nietzsche. A tragédia nasceu com a música; suicidou-se com Sócrates e a racionalização, o detalhe exagerado; e houve uma tentativa de ressurreição com a ópera.
O trágico, para Nietzsche, era um conceito filosófico. Defendia a não defesa da existência de uma verdade, não era a favor de muitas explicações, por isso, o clássico nunca envelhece ou se torna ultrapassado.
Eis que me deparo com o ponto-chave da nossa existência em plena quarentena  e pandemia: para Nietzsche, a vida funciona como um fenômeno estético (a grosso modo, artístico), assim, a arte transfigura isso e torna  a vida possível de ser vivida. O que seria de nós nesse momento se não fosse a arte? Essa foi uma das certezas que tive provas nessa quarentena.
Nietzsche faz uma crítica à moralização da vida. Afinal, a vida é o que a gente diz que ela é. E é assim que deve ser. E como disse Zaratustra (personagem de outra referência do autor): "A vida não tem nada, tem o que a gente coloca nela". E isso não quer dizer que ele caia no relativismo de que cada pessoa pode fazer o que quiser da sua vida.

Curiosidade: Nietzsche era filho e neto de pastores evangélicos. Ao longo da vida, foi questionando suas bases, até que se desvencilhou de tudo. Tornou-se professor de filologia, terminou a vida "louco", aos 40 anos, sob o cuidado de sua mãe e irmã.

O quanto amei: 🖤🖤🖤🖤🖤

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra - Miá Couto



Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra - Mia Couto (108p. [L.16/maio-2020])

Mais um livro lido em dupla, dessa vez, por indicação do meu amigo Rodrigo Luz. Nossas conversas e comentários sobre cada capítulo foi brilhante, mesmo que não tenhamos terminado juntos. Foi a primeira vez que li com alguém e discuti com tantos detalhes. Rodrigo TB é um apaixonado pela literatura, pela vida, o q só motiva a uma leitura e discussão apaixonantes.
Um dos livros mais viajantes q li neste ano. Eu nunca imaginei que esse título me traria as impressões q me trouxe. Talvez eu pudesse esperar isso, se conhecesse Mia, mas não conhecia. Dizem que ele é do tipo que gosta de jogos de palavras, além disso, percebi que ele é filosófico, crítico e que se importa com a luta de classes, a desigualdade e traz isso em forma de "alfinetadas" nessa narrativa.
A história se passa no continente africano, como parece ser costumeiro nas narrativas do autor. Marianinho, o protagonista, mora no que poderíamos chamar de "cidade grande" do local onde se passa a história, e sua família, na ilha, q seria uma espécie de "interior". Foi convidado por seu tio a voltar à Ilha, pois seu avô estava entre a vida e a morte. Lá, o rapaz faz várias descobertas sobre a família e seu lugar de origem, sobre si e sua história, bem como sobre vida e morte, casa e lar (o que tb parece ser comum em miá de acordo com comentários sobre o autor).
Mia brinca com as palavras e seus significados levando em consideração o sentimento das pessoas. Por exemplo, "tempo" é uma metáfora para rio, o qual transporta pessoas de um lado para outro e tudo q elas têm a fazer é esperar, pensar na vida, reviver momentos na memória; assim como "terra" funciona como metáfora de "casa", pois quer dizer mais q o sentido material q se dá a ela, é pertencimento, é lar, afeto e vivência. O q me lembrou mt Milton Santos, um sociólogo, geógrafo, q falava sobre, e é comumente usado nas brigas que rolam dos governantes de expulsar os favelados de suas casas "por um bem maior", nas políticas de "limpeza" da cidade. Nas discussões entre mim e Rodrigo, falei sobre isso e ele me contou a brilhante história da sua vida que continham a Vila Kennedy e a UERJ, que decidi apresentar em outro post.
O vilarejo q existia na Ilha se acabava a cada dia que passava por conta da exploração daqueles q detinham o poder local. Existe um jogo de poder presente na narrativa.
Outra coisa que chama MT atenção é a relação vida e morte. Não se sabe se Mariano, o avô (?*) de Marianinho, está vivo ou morto, ele não sabe se morre ou se vive, parece que seu espírito caminha indeciso entre a vida e a morte, como se ainda faltasse algo a fazer aqui ou n ser ainda a sua hora. Quase toda a narrativa se passa com ele nesse estado.
Há ainda uma confusão entre sonho e realidade, espíritos e pessoas reais, realidade e pensamento. Nesse contexto descobertas, verdades, mentiras e revelações vão aparecendo.
Com este livro percebi que o que realmente importa é o desenrolar da história, não o final, ele sim diz o que precisa ser dito, além do mais, o autor parece usar todos os gêneros nessa narrativa: contos, romances, poesias, lendas, piadas.. É um livro pequeno, mas mt reflexivo, denso e instigantes. 
Curiosidade: Essa capa diz muito sobre a história. Morte, casa, família, ir e vir de pessoas. A porta de uma casa simples, de um vilarejo, mas que está além disso.
O quanto amei: 🖤🖤🖤🖤

* Quem ler o livro saberá o porquê dessa questão.

sábado, 4 de julho de 2020

Grupo de Pesquisa - "Da voz à letra" - Eduardo Sterzi


Eduardo Sterzi. Da voz à letra (p. 165-179).

O autor se propõe a discutir sobre a transição da palavra oral (música-poesia) para a escrita, dando origem ao soneto, cujo precursor foi Dante Alighieri, provocando uma nova concepção lírica, diferente do trovadorismo.
Eduardo faz uma breve apresentação sobre o quanto o uso da voz era suficiente e único entre os séculos IX e XIV; além da separação entre poesia e música na lírica moderna, o que foi lamentável para Nietzsche. Sterzi afirma que  a lírica é sempre uma passagem da poesia músico-vocal para a poesia escrita", carregando a tensão entre o código musical e um código gráfico" (p. 167).
Dante priorizava as palavras na música, mas ressaltava a importância da harmonização musical delas. Diante disso, Sterzi destaca a diferença entre canção e modulação no que diz respeito à "fabricação de palavras harmonicamente dispostas". Ou seja, se discute se melodias se configuram em canções ou não, e conclui: "a canção não é nada senão uma ação em si completa de quem diz palavras harmonizadas por modulações" (p. 168). Logo, canção, balada, soneto ou toda palavra harmonizada é canção.
Foi na Itália que surgiu essa novidade: o soneto e a poesia, mesmo que a música e a dança fossem tão presentes no país quanto em outras partes da Europa. Lá surgiu uma nova forma "exclusivamente literária que se liberta de uma vez por todas da música e do movimento do corpo", segundo André Jolles. O contexto de "primeiras noções fortes de indivíduo e de interioridade" contribui para esse surgimento  (p. 172).
Os poemas passam a não exigir mais a presença do poeta ou de um intérprete para ter validade; a poesia passa a exigir uma relação poesia-vida, texto e experiência, o que gerou um "movimento rumo a uma crescente autonomia do texto poético"  (p. 172).
Em nosso grupo, discutimos sempre a importância da oralidade na atual poesia, destacando seu resgate à literatura atual, retomando seu lugar, sem menosprezar a escrita, mas discuti-la e analisá-la como mais um mecanismo de se fazer, ser e ter literatura.
Esse texto nos traz a contextualização de quando, histórico e factualmente, começou a existir a separação entre música e poesia e a possível desvalorização da oralidade. Isso se deu por meio de Dante e a instituição do soneto, deste enquanto literatura, poesia escrita, no qual a música e a dança, e a performance foram "superadas", em princípio, e a leitura prejudicada e silenciada.
É importante destacar como os contextos sócio-históricos, político-filosóficos fazem a literatura de sua época e influenciam para as mudanças, superações e uma nova forma de fazer arte. Foi o que contribuiu de forma relevante à necessidade de superação do trovadorismo e gerou a poesia escrita. 

Link da resenha completa: